Da velhice, só escapa quem já morreu.
RUTH DE AQUINO
é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br
Como a mulher e o homem confrontam os 60 anos? O novo filme da diretora Julie Gavras, exibido na mostra internacional de São Paulo e com estreia prevista para 11 de novembro, trata de envelhecimento. De como esconder ou assumir a idade. Aos 60 você se sente maduro, curioso e sábio ou velho, amargo e ultrapassado. O título do filme no Brasil é assombrosamente ruim e apelativo: Late bloomers. O amor não tem fim. Late bloomer é uma expressão inglesa que denomina quem amadureceu tardiamente. Em francês, a tradução do título é clara e objetiva: Trois fois vingt ans (Três vezes 20 anos). Uma conta básica de multiplicação mostra que você já viveu bastante. Um dia teve 20 anos. Também comemorou ou receou os 40. E agora, aos 60, passa para o time dos velhos. Ou não?
Isabella Rossellini (Mary) e William Hurt (Adam) fazem o casal protagonista. Devido a um súbito lapso de memória, a mulher, professora universitária, percebe que envelheceu e toma medidas concretas em casa. Aumenta o tamanho dos números no aparelho de telefone, coloca barras na banheira para o casal não escorregar. O homem, arquiteto famoso, se recusa a se imaginar velho, passa a conviver só com jovens e a se vestir como eles. Ela faz hidroginástica, mas se sente fora d’água, organiza reuniões com idosas e mergulha em trabalhos voluntários. Ele vai para o bar, bebe energéticos e vira a noite. Cada um se apega a sua visão de como envelhecer melhor, sem concessões. Ambos acabam tendo casos extraconjugais. Há nos dois um desespero parecido. Mary exagera na consciência da proximidade da morte. E Adam exagera na negação. Depois de décadas de amor sólido, com os três filhos fora de casa e já com netos, o casal se vê prestes a engrossar as estatísticas dos divorciados após os 60 anos, ao descobrir que se tornaram estranhos e por isso ficam melhor sozinhos e livres. O filme é uma comédia romântica para a idade avançada, um gênero quase inexistente.
Julie Gavras não encontrou nenhuma atriz francesa que assumisse com humor os dilemas de uma sexagenária. Precisava de alguém com a idade certa, mas que não tivesse feito cirurgia plástica, diz Julie. Isabella foi perfeita porque entende que, quanto mais velha fica, mais liberdade tem. Na França, diz a cineasta, a idade é uma questão delicada para a mulher. No Brasil, que cultua a juventude feminina como moeda de troca, é mais ainda.
Isabella, um dos rostos mais lindos do cinema, disse ter adorado fazer um filme sobre envelhecimento: São tão poucos e tão dramáticos. E minha experiência tem sido pouco dramática, aliás bem cômica às vezes. Mulheres envelhecendo são vistas como uma tragédia e foi preciso uma cineasta mulher para ver diferente.
Homens e mulheres reagem de maneira desigual à passagem dos anos. É arriscado generalizar. Depende de cada um. Compreendo que mulheres de 60 sintam mais necessidade de parecer jovens e desejáveis mas alguns homens idosos se submetem a riscos para continuar viris. A obsessão da juventude eterna criou um grupo de deformadas que se sujeitam a uma cirurgia plástica por ano e perdem suas expressões. Mas também fez surgir outro tipo de sexagenárias, genuinamente mais belas, mais em forma, mais ativas e saudáveis enfim.
As mulheres nessa idade querem aproveitar o mundo, viajar, passear, dançar, ver filmes e peças, fazer cursos. Os homens querem ficar em casa, curtir a família, os netos, afirma a antropóloga Mirian Goldenberg, que acaba de publicar um livro sobre a travessia dos 60. Elas se cuidam mais, eles bebem mais. Elas vão a médicos, fazem ginástica, eles engordam, gostam do chopinho com amigos ou sozinhos. Elas envelhecem melhor, apesar do mito de que o homem envelhece melhor. Muitas me dizem: Pela primeira vez na vida posso ser eu mesma.
Da velhice ninguém escapa, a não ser que a morte o resgate antes. Cada um lida com ela de forma pessoal e intransferível. O escritor Philip Roth, aos 78 anos, diz que a velhice não é uma batalha; é um massacre. Mas produz compulsivamente. Woody Allen, de 75 anos, dirige um filme por ano, mas acha que não há romantismo na velhice: Você não ganha sabedoria, você se deteriora. Para Clint Eastwood, de 81 anos, que ficou bem mais inteligente e charmoso com a idade, envelhecer foi uma libertação: Quando era jovem, era mais estressado. Me sinto muito mais livre hoje. Os 60 e 70 podem ser os melhores anos, desde que você mude ou evolua. Prefiro acreditar em Eastwood. Por mais que a sociedade estabeleça como idoso quem tem acima de 60, a tendência é empurrar o calendário para a frente. Hoje, para os sessentões, velho é quem tem mais de 80. Os octogenários produtivos acham que velho é quem passou dos 90. No fim, velho mesmo é quem já morreu.
Adam e Mary são casados há mais de trinta anos; eles passaram mais da metade de suas vidas juntos. Seus filhos já saíram de casa há muito tempo; parece que Adam e Mary aproveitaram e suportaram todos os altos e baixos da vida juntos, e agora estão ansiosos para o que deveria ser uma fase mais calma em suas vidas. Mas certas irritações começam a tomar suas vidas, e eles são obrigados a reconhecer que os anos estão agora cobrando seu preço. Adam, antes um bem-sucedido arquiteto, vê sua carreira e situação financeira não serem mais prósperas como antes, enquanto Mary está com problemas de memória, o que pode ser um indício de demência. Lentamente, Adam e Mary começam a se afastar – até a separação parecer inevitável.
Diretor Julie Gravas
Roteiro Olivier Dazat, Julie Gavras
Fotografia Nathalie Durand
Montagem Pierre Haberer
Música Sodi Marciszewer
Elenco Isabella Rossellini, William Hurt, Joanna Lumley, Simon Callow
Produtor Bertrand Faivre, Sylvie Pialat
Produção Gaumont
Site http://www.gaumont.com